8 de outubro: Dia do Teatro Latino-Americano
Neste 8 de outubro, Dia do Teatro Latino-Americano, celebramos todas as pessoas que fazem do teatro seu modo de vida. O seu trabalho é essencial para fortalecer a nossa cultura e construir uma identidade regional partilhada. Esta data comemora o início do Festival Latino-Americano de Manizales, na Colômbia, que começou em 8 de outubro de 1968. Na Argentina, o CELCIT (Centro Latino-Americano de Criação e Pesquisa Teatral) tem sido fundamental para consolidar esta celebração em toda a região. Feliz Dia do Teatro Latino-Americano!
Convidamos você a ler a mensagem anual de 2024, escrita pelo ator, diretor e professor peruano Alberto Isola:
Em 31 de dezembro de 1821, apenas cinco meses após a Declaração de Independência do Peru, foi publicado na Gazeta de Lima um decreto assinado pelo General José de San Martín, com o título de Protetor do Peru. O que é relevante para nós e para a data que hoje celebramos é a questão do decreto: arte teatral. Nele se faz referência a “um teatro fixo, como o desta capital”, definindo-o como “um estabelecimento moral e político da maior utilidade”, para concluir, categoricamente, que, portanto, “As artes performativas não trazer infâmia.”
É evidente que, mais do que aludir ao passado colonial, o decreto aponta para o futuro republicano. É um projeto, um desejo; de certa forma, uma utopia. Um teatro que, tal como o espelho shakespeariano, reflete, critica, ilumina um caminho a seguir. O caminho da identidade, do crescimento, da história. Um reconhecimento do enorme poder do evento cênico. E quem torna isso possível tem, portanto, um dever e uma responsabilidade que os afasta de toda infâmia. Além disso, em outro artigo do decreto se diz que “aqueles que praticarem esta arte no Peru serão elegíveis para empregos públicos”. Um retumbante retrocesso ao desprezo e à desconfiança que a sociedade dava, e ainda dá, a quem se dedica ao teatro. Ou qualquer forma artística.
Nos dois séculos seguintes, o teatro latino-americano, em diferentes formas e medidas, cumpriu o desejo formulado no decreto. E isso significou, além de conquistas notáveis e de uma presença inextinguível, confrontos, censura, silenciamento por parte de governos e instituições que, diferentemente da visão sanmartiniana, viam no teatro não apenas infâmia, mas também ameaça e perigo. Hoje enfrentamos novos surtos de intolerância, tentativas brutais de silenciar e apagar, não só o teatro, mas qualquer manifestação de cultura ou pensamento, considerando-os mais do que perigosos, dispensáveis, desnecessários, indignos de figurar no orçamento nacional.
Para além das histórias que traz ao palco e que, graças à dupla natureza da representação viva, nos falam sempre do aqui e do agora, o teatro continua a oferecer-nos um modelo de convivência e de força colectiva. Cada produção teatral reúne um grupo de pessoas e, mesmo que seja por pouco tempo, cria uma pequena sociedade onde, sem ignorar os conflitos e as diferenças, trabalham para alcançar um objetivo comum, sempre maior que a soma dos seus participantes. Uma espécie de ensaio geral para um mundo melhor. E o facto de esta visão nos ser por vezes apresentada como antiquada ou romântica nada mais é do que um reconhecimento e ao mesmo tempo um medo do seu enorme poder.
História, sonhos, derrotas, novos começos, são encarnados num palco, tornados visíveis nos corpos, vozes e mentes de seres humanos que, tal como os livros vivos de “Farenheit 451” de Bradbury, mantêm viva a nossa essência e, ao partilhá-la com outros seres humanos, no mesmo espaço e ao mesmo tempo, naquela comunhão de que fala Grotowski, eles a tornam indestrutível. Mesmo que muitas vezes queiram que acreditemos no contrário. Vemos e ouvimos uns aos outros em um mundo onde isso está se tornando cada vez menos comum. E mais urgente.
Em “La de cuatro mil”, farsa magistral do início do século XX de um dos maiores dramaturgos peruanos, Leônidas Yerovi, um personagem, ao presenciar uma reprimenda, originalmente destinada a ele, mas recebida por outro, devido a uma confusão de identidades, exclama, numa espécie de revelação, com alívio, mas também com lucidez: “O espelho em que devo me ver!” Que esse espelho, embora às vezes embace ou quebre, nunca quebre.
Feliz Dia do Teatro Latino-Americano.
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