Agitação social, violência, agitação política, disputas pelos direitos indígenas: do Equador a Cuba, as lutas e conflitos que moldaram a história da América Latina estão muito presentes nas manchetes diárias sobre crime, marginalização e repressão.
No entanto, essa realidade caótica também incubou um cenário artístico vibrante e diversificado, cuja influência está a expandir-se para além da região. Este ano, por exemplo, o primeiro curador latino-americano será nomeado para dirigir a Bienal de Arte de Veneza. Adriano Pedrosa, nascido no Rio de Janeiro, participará da exposição de arte contemporânea mais antiga do mundo, a partir de abril, com “Foreigners Everywhere”, uma exposição focada em destacar movimentos do Sul Global e dar voz a artistas que de outra forma seriam ignorados. de imigrantes a grupos indígenas.
O maior burburinho em torno da arte latino-americana também ficou evidente nas feiras anuais da semana passada na Cidade do México: em sua vigésima edição, a Zona Maco, o maior desses eventos simultâneos, registrou o recorde de 81 mil participantes; As feiras paralelas Material e Salón ACME também ficaram lotadas. (Divulgação completa: minha esposa trabalha com uma galeria que participou do Material.)
No caso da arte imitar a vida em países onde fazer negócios apresenta grandes obstáculos, diversas galerias ainda tiveram seus contêineres presos na alfândega mesmo após o início das exposições. Mas os meus próprios passeios pelas exposições deixaram-me duas fortes impressões positivas. Primeiro, como latino-americano, fiquei surpreso com a energia e o entusiasmo coletivos nesses eventos, em contraste com as políticas divisórias da região. Em segundo lugar, como jornalista financeiro, não pude deixar de sentir que a arte latino-americana pode estar a passar por um momento financeiro.
Acompanhei esta ideia com especialistas da Sotheby's, que afirmaram que as suas recentes vendas de arte na região tiveram um bom desempenho (quase 250 milhões de dólares em vendas entre 2020 e 2023, ou mais de 50% acima dos anos anteriores à pandemia).
“Recentemente renovamos o interesse pela arte latino-americana em geral”, disse-me Anna Di Stasi, chefe da divisão latino-americana da casa de leilões. "É um momento maravilhoso em termos de educação e abertura de mercado."
Di Stasi diz que embora a instabilidade política da região possa ter influenciado certos artistas e estilos, há mais de uma razão por trás desta tendência, incluindo colecionadores que buscam movimentos específicos (como obras surrealistas das décadas de 1940 a 1960 ou abstração geométrica venezuelana) e artistas indígenas emergentes que até recentemente não recebiam muito reconhecimento. A demanda curatorial de museus e instituições dos EUA também está impulsionando as vendas. “Faz parte de uma conversa mais ampla dentro do mercado de arte e com clientes que buscam representar períodos importantes desta região em suas coleções”, disse Di Stasi.
Teve o cuidado de descrever a tendência não como um boom, mas como um momento de “crescimento substancial”, porque no actual mercado de arte global em ritmo acelerado, os coleccionadores podem rapidamente passar para outra coisa.
Ainda assim, a Sotheby's espera fortes receitas no início de 2024 e prepara-se para leiloar obras do mestre colombiano Fernando Botero, falecido em setembro.
A crescente comunidade latina nos Estados Unidos, que já representa quase 20 por cento da população do país e cujo poder de compra está em expansão, também se traduz numa maior visibilidade desta arte, seja em centros educativos ou em exposições. No próximo mês, por exemplo, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque inaugurará uma exposição dedicada ao design latino-americano de 1940-1980.
É claro que não é tão fácil especificar exatamente o que constitui a arte latino-americana além da nacionalidade dos seus protagonistas. José Kuri, coproprietário da galeria Kurimanzutto, na Cidade do México, considera a região “no limite” da arte ocidental, numa “posição privilegiada” em relação às fontes mais convencionais que poderiam ser consideradas “um pouco esgotadas”. Kurimanzutto abriu uma filial em Nova York no ano passado para aproveitar a demanda do mercado norte-americano por outras vozes.
Ricardo Zielinsky, um marchand brasileiro que possui galerias de mesmo nome em Barcelona e São Paulo, me disse que “a arte latino-americana tem muito mais camadas do que outras, e colecionadores ou instituições de outros países estão interessados em descobrir isso porque é um novidade para eles.” eles.
Quando perguntei aos dois galeristas sobre possíveis nomes a seguir, eles recomendaram artistas femininas, incluindo a mexicana Lilia Carrillo e a ícone argentina Marta Minujín, além das brasileiras Vera Chaves Barcellos e Gretta Sarfaty.
Como jornalista demasiado imerso nos problemas políticos e económicos da região, continuo a valorizar trabalhos que os apresentem de uma forma diferente e mais memorável. No ano passado comprei uma fotografia tirada pela artista brasileira Romy Pocztaruk, que em 2011 fez uma longa viagem pela Transamazônica, uma rodovia que atravessa o norte do Brasil de leste a oeste, documentando artefatos abandonados do esforço da ditadura militar anterior para integrar áreas remotas áreas. Aterrisse em uma grande rodovia. É um lembrete emocional não apenas das promessas não cumpridas do Brasil, mas também de como os projetos faraônicos tendem a ser rapidamente desperdiçados e esquecidos. E, no entanto, os governos latino-americanos ainda insistem em construí-los.
Será que um dia aquela fotografia será um bom investimento? Quem sabe. Mas tê-lo na minha sala me inspira a pensar mais sobre o trabalho que faço, e se a minha compra de alguma forma aumentou o poder brando da América Latina, tanto melhor.