Exposição corrige a Lagoa Negra na história da arte brasileira

Exposição corrige a Lagoa Negra na história da arte brasileira

Dos Brasis: Arte e Pensamento Negro é uma exposição notável no mundo da arte brasileira, pois reúne obras de 240 artistas negros de todo o país. Dividida em sete núcleos temáticos, a exposição aborda questões como o revisionismo histórico e a representação feminina, destacando histórias como a de Judith Bacci, que passou de zeladora a artista.

Judith Bacci é uma artista praticamente desconhecida no mundo das artes visuais. Ela estreou não em um vernissage, mas como goleira nas dependências da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Pelotas, cidade do sul do Brasil, país dividido por um abismo social que dificulta o avanço social de um goleiro ou uma mulher negra. Judith acabou se tornando assistente nas aulas de escultura e, com o tempo, tornou-se artista. Ele teve pouco impacto, foi vítima de racismo. Os alunos do curso de artes da Ufpel, porém, a consideravam professora não oficial da disciplina de Escultura. Ele conhecia como poucos as dificuldades da profissão de escultor e compartilhava seus conhecimentos com os alunos, quase todos brancos. Ele nunca recebeu salário de professor ou reconhecimento. Ou seja, até agora a exposição foi inaugurada em San Pablo.

Na exposição Dos Brasis, Judith participa com uma pequena escultura em gesso que retrata uma enfermeira negra alimentando um bebê branco. Simples e sublime, a obra é um dos grandes momentos que a exposição oferece. Também resume a biografia do artista, que alimentou e criou filhos de famílias brancas sem ser reconhecido. E, por fim, refere-se a todo um legado de escravidão e a toda uma relação racial que permeia o mundo da arte, que, apesar dos esforços antigos e recentes, é repleto de rasuras como a sofrida por Judith Bacci.

Com 240 artistas e mais de 400 obras, Dos Brasis: Arte e Pensamento Negro está sendo celebrada como a exposição com maior número de artistas negros realizada até hoje no país. A exposição das obras começa na portaria do Sesc Belenzinho, em São Paulo, e ocupa todo o pátio, as obras se misturam com a área de recreação infantil e os campos esportivos (voltaremos a este ponto), antes de se acumularem em duas exposições áreas e um salão. Se a arte fosse uma corrida de revezamento, Dos Brasis certamente conseguiria um lugar no pódio: além do cadastro de artistas negros que reúne, há nomes de todos os estados, além dos mais diversos gêneros do século XVIII ao o presente. Muitos dos artistas, como Judith Bacci, têm uma produção tão fecunda quanto ignorada. Só que Dos Brasis é muito mais que uma exposição única. Estamos a falar de um projeto de longo prazo que prevê percorrer todo o país ao longo de uma década. Além dos recortes itinerantes da exposição que está em Cartaz, há um projeto educativo e de debate. Espera-se que em dez anos o sucesso do projeto faça com que ele não seja mais necessário. Evidentemente, toda a riqueza do projeto é uma prova da dimensão da arte produzida por artistas negros brasileiros. É cada vez mais embaraçoso para um curador ou crítico racista dizer que não existem artistas negros. Eles não apenas existem, mas estão aqui desde sempre. “O silêncio dos artistas negros nunca existiu. O que existiu foi uma escuta seletiva dos artistas negros”, disse o curador Igor Simões. É esse apagamento que está sendo revertido. Por isso é especialmente importante que a base titular do Dos Brasis seja o Sesc Belenzinho.
Um pouco de contexto: o Sesc é uma entidade privada, mantida por uma arrecadação forçada calculada de acordo com a folha de pagamento de cada empresa. Com esse recurso, financiam-se serviços de saúde, dentistas, entretenimento, esportes e alimentação a preços baixos. A cultura corresponde a uma pequena parte do orçamento do Sesc. As artes visuais, então, dispõem de ainda menos recursos.

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