Exposição MSSA sobre problemas da arte indígena contemporânea

Exposição MSSA sobre problemas da arte indígena contemporânea

Exposição na MSSA busca visibilizar problemas latino-americanos a partir da arte indígena contemporânea

Com curadoria de Cristian Vargas Paillahueque, a exposição Fugas de lo Nuestros. Visualidades indígenas de sul a norte apresenta o trabalho dos artistas Marilyn Boror, Venuca Evanán e Pablo Lincura, por meio dos quais se problematiza a identidade latino-americana.

Um exercício coletivo de reflexão sobre o que entendemos por “nosso” é o que apresenta a exposição Fugas de lo Nuestro. Visualidades indígenas de sul a norte, curadoria de Cristian Vargas Paillahueque. A exposição, que inaugura dia 13 de abril no MSSA, reúne três importantes artistas indígenas contemporâneos que, a partir de diferentes perspectivas e locais, abordam questões e histórias da América Latina.

“O impulso da exposição busca abrir questões que examinem criticamente a noção do que é nosso e, para isso, são utilizadas diferentes propostas estéticas que problematizam esse exercício tanto do mundo indígena quanto do latino-americano”, explica Cristian Vargas Paillahueque.

Através de suas obras, Marilyn Boror (San Juan Sacatepéquez, território maia, Guatemala), Venuca Evanán (Ayacucho-Lima, Peru) e Pablo Lincura (Wallmapu, Chile) abordam a atualidade e o poder questionador da arte indígena para refletir sobre temas complexos a partir de um olhar descolonizador, sem restringir as suas propostas artísticas apenas às diferenças culturais de que falam, mas estabelecendo-as como contexto para pensar a contemporaneidade, os imaginários e as políticas que atravessam as visualidades de sul a norte.

Extrativismo e a luta indígena

Marilyn Boror (Maya-Guatemala, 1984) é uma artista maia-Kaqchikel originária de San Juan Sacatepequez, cidade que há quase duas décadas foi afetada pelas ações da cimenteira San Gabriel. Devido ao extrativismo que esta indústria tem exercido, as comunidades deste território têm sofrido consequências como a intervenção na paisagem e a escassez de água. Assim, através de seu trabalho, a artista reivindica a resistência dessas comunidades contra a violência exercida em seus territórios e ressitua o lugar das mulheres indígenas como líderes de organizações e comunidades.

Estabelecendo uma relação crítica com as materialidades, a artista utiliza o cimento nas suas diferentes propostas artísticas, conferindo-lhe um significado político e simbólico. da Terra. Da mesma forma, obras como O futuro que nunca existiu, da série Tiraram a montanha, deram-nos cimento, problematizam a presença deste material, mas também de tudo o que está escondido sob estas camadas de concreto. “A partir daí, o artista dá visibilidade ao que o cimento, o progresso ou a cidade escondem, mas que está sempre presente em segundo plano”, comenta o curador da exposição.

Através de outras peças como Para não esquecer seus nomes, Penteando as raízes II ou Dicionário de objetos esquecidos, Marilyn Boror reivindica a resistência indígena através da sobrevivência de objetos, conceitos e materiais têxteis típicos da comunidade Maya-Kaqchikel.

Resignificando a tradição familiar
Declaradas Patrimônio Nacional do Peru, as tábuas Sarhua são uma tradição da comunidade Sarhuina de Ayacucho. Essas madeiras, desenhadas com penas e pintadas com pigmentos naturais, contam histórias de família e são dadas de presente uns aos outros nas celebrações comunitárias.

Pertencente a uma família Sarhuina que foi forçada a migrar para Lima fugindo da violência, Venuca Evanán é herdeira desta tradição patrimonial que está retratada na sua obra Tabla Apaykuy y las delicias de la villa (2019/2024). Porém, a partir da sua perspectiva de mulher, indígena e migrante, a artista redefine a técnica e, recorrendo aos têxteis e à madeira, propõe novos temas e problemas que até agora tinham sido pouco explorados na tradição Sarhuina de pintar os painéis.

Nas suas obras, a artista também reivindica o lugar da fruição com peças como Autorretrato Erótico (2023/2024), em que aborda a sexualidade feminina como uma mulher Sarhuina, criticando o conservadorismo com que estes temas são relegados.

Na mesma linha, ela questiona o papel feminino na sua comunidade, onde é habitual ter um sistema de governação liderado por homens. Em Las varayuq (2019/2024), através de uma pintura acrílica sobre madeira, Venuca expressa a esperança de dissolver esta disparidade, empoderando as mulheres Sahuina na liderança política da comunidade.

Diversidades do imaginário mapuche

Numa perspectiva dissidente, o artista mapuche Pablo Lincura apresenta uma proposta em que mistura gestos da cultura indígena e da cultura pop criando retratos e rostos a óleo, utilizando cores vibrantes e elementos decorativos.

Pablo, influenciado por seus estudos e interesse pelas visualidades asiáticas, tem se dedicado a fazer reflexões visuais sobre a relação entre gênero, sexualidade, marginalidade e beleza. Exemplo disso é sua obra Guerrero Mapuche (2010), na qual funde símbolos e iconografia Mapuche com reminiscências do imaginário e da língua chinesa provenientes de sua busca por outras estéticas e referências. Esta ligação entre ambas as culturas reflete-se na postura do guerreiro marcial que se posiciona a partir de ambos os mundos e gestos.

Em suas pinturas o artista também trabalha aspectos da história mapuche, como o contato com os espanhóis entre os séculos XVI e XIX. Em Shiñura (2024), a artista retrata como as mulheres espanholas ou chilenas foram agregadas às comunidades Mapuche no âmbito das relações interétnicas, gerando assim diferentes linhagens com as principais autoridades. Esse aspecto fica evidente na mensagem da tela: “akulu shiñura lof mew” (“quando o shiñeru veio para a comunidade”).

Este conjunto de obras está inteiramente vinculado a três peças audiovisuais que farão parte da exposição, cujo conteúdo questiona os estereótipos, o papel das diversidades sexuais e reivindica o destaque da língua indígena através de covers Mapuzungun de canções populares chilenas.

Vazamentos nossos. As visualidades indígenas de sul a norte abrem em 13 de abril de 2024 e podem ser visitadas de terça a sexta, entre 10h e 18h, e sábado e domingo, entre 11h e 18h, no segundo andar da MSSA, até 1º de setembro deste ano.