Como a arte modernista chega na América Latina? 1

Como a arte modernista chega na América Latina? 1

E aí vem a nossa pergunta: O que acontecia enquanto isso no que chamamos de América Latina? Qual o papel da América Latina na modernidade? Como a arte modernista chega na América Latina? Ela de fato chega aqui ou nós também já éramos, de certa forma, modernos? Ou nunca fomos modernos? Por que olhamos tanto para a Europa como referência e padrão de visualidade?

Desde os tempos da colonização européia, a principal marca da nossa marginalização política, econômica e social, é a ausência da América Latina na história da arte universal. Segundo uma perspectiva de muitos pensadores eurocêntricos, nós, latino-americanos, estamos fadados a ser eternamente uma “cultura de repetição”, reprodutora de modelos, não nos cabendo fundar ou inaugurar estéticas ou movimentos que poderiam ser incorporados à arte universal.

O próprio termo América Latina serve para atrapalhar essa visão, pois refere-se amplamente aos países da América, incluindo o Caribe, cujas línguas derivam do Latim. No entanto, no Suriname, por exemplo, fala-se holandês, assim como nas Bahamas e na Jamaica fala-se inglês. Também não existe uma justificativa geográfica para o termo, pois não estamos falando estritamente do Sul, já que o México, por exemplo, já figura no que chamamos de América do Norte. Por isso, esse termo hoje é considerado muito problemático e impreciso, já que, em teoria, criaria uma identidade que, na verdade, reúne países muito diferentes entre si…
Por outro lado, existe uma experiência comum, do México à Argentina, que pode unir essas nações tão diversas: fomos todos sujeitos às conquistas coloniais, à escravização de povos africanos, ao extermínio dos povos locais e ao imperialismo que até hoje mantém a região – mesmo porque os efeitos desses processos são sentidos até hoje, no continente todo. Tratam-se de países com uma preocupante exploração ambiental e intenso desmatamento; nações produtoras rurais e sem desenvolvimento industrial ou de serviços; regiões marcadas pelo autoritarismo, populismo, desigualdade brutal – onde a miséria vive lado a lado com e riqueza acumulada em proporções inacreditáveis.

A verdade é que, por muito tempo,  a História da Arte oficial nem sequer se considerou que pudesse existir uma arte Latino-americana independente, viva, válida. Em seu texto para a primeira Bienal do Mercosul, Frederico Morais relembrou uma frase infame de Henry Kissinger, que foi Secretário de Estado dos Estados Unidos entre 1973–1977: Nada de importante pode vir do Sul. A história nunca é feita no Sul. Só que a gente sabe que isso não é verdade – não foi verdade, e continua não sendo.

Essa narrativa é reforçada pela história da arte oficial, na qual consta que a modernidade chega na América por meio de artistas que – na falta de academias de arte, da abundância de colecionadores e patronos, de interesse por parte do governo e da população – viajavam para a Europa para estudar e, impactados pelas vanguardas que testemunharam, exposições que visitavam, artistas que conheciam. Eles voltavam para casa carregando essas referências na mala. Desta forma, a modernidade na América Latina, de um lado, é escrita como devedora da modernidade europeia, reiterando essa visão de que estamos fadados à repetição, e do outro, como uma caldeirão de misturas vibrantes, capaz de inventar sua própria modernidade.

Talvez tenhamos demorado algumas décadas para alcançar o calendário de vanguardas europeias, mas isso não significa que o que veio depois é apenas repetição, imitação, derivação. Só que existem outros desafios ao contar essa história. Acontece que: Brasil, Peru, Chile e Argentina não compartilham os mesmos antecedentes de modernidade, modernização ou modernismo. De acordo com Nelly Richard, pesquisadora e teórica chilena, o desenvolvimento das tendências culturais nesses e em outros países não foi homogêneo, nem uniforme, e a disposição de cada um para a modernidade seguiu dinâmicas regionais de forças e resistências específicas, não comparáveis.  Alguns países, por exemplo, estabeleceram graus maiores ou menores de valorização da cultura indígena herdada – como é visível na modernidade mexicana.

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